O Evangelho Vivo e a Inspiração Maçônica

Por Hiran de Melo

Na tradição da Maçonaria, especialmente no Grau 32 do Rito Escocês Antigo e Aceito, Jesus de Nazaré é visto não como um dogma, mas como um pensador livre — alguém que rompeu com os muros da tradição para afirmar a vida em sua plenitude. Seu Evangelho não se constrói sobre sacrifícios e sangue, mas sobre gestos que celebram o viver: o cuidado com os frágeis, o acolhimento dos excluídos, a reverência à natureza. Deus, para ele, é o amor que pulsa em tudo o que respira.

Essa postura deu origem ao “Caminho”, uma comunidade que não se fechava em fronteiras religiosas, mas se abria ao humano em sua diversidade. O que começou como uma seita, tornou-se universal — chamada de “católica” na linguagem romana. Mas o poder, como sempre, tem fome de controle. No século IV, o Império Romano, em busca de hegemonia, apropriou-se da mensagem e a moldou à sua imagem. O Evangelho, antes livre, foi domesticado. Tornou-se religião oficial, com regras, cânones e hierarquias. O que era caminho virou estrada vigiada.

A partir da leitura de Friedrich Nietzsche, e como nos revela Scarlet Marton, compreendemos que quando o pensamento se curva ao poder, ele perde sua força criadora. Jesus falava em parábolas não por timidez, mas por estratégia: sabia que a verdade liberta, mas também incomoda os que vivem da escravidão alheia. Por isso, sua mensagem continuou viva nas margens — nas catacumbas, nas criptas maçônicas, nos corações que recusavam a domesticação.

Séculos depois, Francisco de Assis reacende essa centelha. Não com discursos, mas com vida. Ele vê em Cristo não apenas o redentor, mas o irmão universal — aquele que caminha com o homem, com o lobo, com o sol e com a água. Francisco não prega: ele canta. E seu canto é um louvor à criação, à simplicidade, à comunhão com tudo o que vive. Ele compreende, como Jesus, que adorar a Deus é cuidar daquilo que Ele criou.

Esse Evangelho do Caminho não é doutrina: é vivência. É ética da compaixão, espiritualidade da liberdade, fraternidade cósmica. É reconciliação entre o humano e o cosmo. Na visão franciscana, é também um chamado à ecologia integral — cuidar da alma, do outro e da Terra como um só corpo.

Na Maçonaria, esse legado permanece como inspiração. Ser maçom é pertencer a uma fraternidade que não se ajoelha diante do poder, mas diante da beleza. É seguir um caminho de liberdade e respeito, reconhecendo em cada ser vivo a centelha do Sagrado.

Por isso, todos os matizes do Evangelho original de Jesus — aqueles que conduzem à liberdade e celebram a vida, dom maior do Criador — devem ser acolhidos como válidos. Em especial no Grau 18 do REAA e no Grau 12 do Rito Adonhiramita, o Cavaleiro Rosa Cruz celebra o mistério da comunhão com o corpo místico do capítulo. Não como rito vazio, mas como afirmação da vida que resiste, que renasce, que se liberta.

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