A Sabedoria Estoica e a Jornada do Maçom: Prática da Salvação pela Reconciliação com o Presente
Por Hiran
de Melo
Introdução
Na senda iniciática da Maçonaria, cada Irmão
é chamado a edificar o Templo interior, lapidando-se por meio do
autoconhecimento, do domínio das paixões e da busca pela verdade. A tradição
estoica, legada por sábios como Epicteto, Sêneca e Marco Aurélio, oferece
ferramentas espirituais poderosas, que convergem notavelmente com os princípios
de nossa Ordem. Entre elas, destaca-se o exercício constante de reconciliação
com o tempo e, sobretudo, com o instante presente — o único espaço real onde a
transformação pode acontecer.
O Tempo como Campo da Luta Espiritual
Os antigos estoicos identificaram dois
grandes obstáculos à liberdade interior: a nostalgia do passado e a esperança
ansiosa pelo futuro. Ambas afastam o homem de sua própria natureza racional e
espiritual, impedindo-o de viver em harmonia com o cosmos.
O passado, com suas dores e glórias, é um
tempo já encerrado; o futuro, por sua vez, é pura projeção, um campo incerto de
desejos e temores. O presente, embora fugidio, é a única dimensão onde o ser
pode agir segundo a razão e a virtude.
Para o maçom, que aprende desde o grau de
Aprendiz a trabalhar sobre o “aqui e agora”, essa lição é central: o instante
presente é a oficina da alma. Viver nele é libertar-se dos grilhões do
arrependimento e da ilusão.
O Perigo das Esperanças Vãs
Ao contrário do senso comum, os estoicos não
exaltam a esperança. Para eles, esperar é uma forma de fugir da realidade. É
projetar a felicidade para um tempo que nunca chega. Em sua sabedoria, preferem
o verbo “aceitar”: aceitar o que é, amar o que se apresenta, agir com firmeza e
serenidade diante de qualquer circunstância.
André Comte-Sponville, filósofo
contemporâneo, resume com precisão: “Esperar menos, amar mais”. Essa máxima
deve ecoar no coração do maçom que deseja cultivar a verdadeira liberdade —
aquela que nasce não do controle dos eventos, mas do domínio de si mesmo.
O Desapego: Um Exercício de Amor e Liberdade
Epicteto nos alerta: tudo aquilo a que nos
apegamos — bens, pessoas, cargos, ideias — pode ser tirado de nós. Não se trata
de pregar a indiferença fria, mas sim um amor lúcido, ciente da impermanência
de todas as coisas.
Para o maçom, que aprende que nada é fixo na
existência e que tudo é construção passageira, o desapego é exercício de
humildade. A cada perda, a cada transformação, somos chamados a retornar à
pedra bruta que somos, conscientes de que somente o que está edificado na alma
perdura.
Preparar-se para a Catástrofe: A Vitória sobre o Medo
Marco Aurélio ensina: “Age como se cada ação
fosse a última”. Essa não é uma apologia do desespero, mas uma convocação à
consciência. Quando se vive cada dia como se fosse o último, elimina-se o medo
da morte. E quando não há mais medo, nasce a verdadeira liberdade.
Esse princípio ecoa o que na Maçonaria
chamamos de contemplação da finitude como alavanca para a retidão. O homem que
sabe que a ceifa virá não adia sua missão, não posterga o bem, não teme ser
íntegro. Ele já está preparado: seu espírito está forjado na presença e na
aceitação do real.
A Reconciliação com o Real: O Amor Fati
O estoico, como o maçom, não busca escapar do
mundo — busca transformá-lo a partir de si mesmo. E quando a ação não é mais
possível, ama o mundo como ele é. Esse é o “amor fati”, o amor ao destino.
Não é resignação passiva, mas uma forma
superior de coragem. O Irmão que desenvolve essa postura não sofre pelas
perdas, nem se ilude com promessas futuras. Ele permanece centrado no presente,
com o espírito elevado, em união com a ordem cósmica.
A Eternidade no Instante
A sabedoria estoica não oferece a
imortalidade da pessoa; oferece a eternidade do instante vivido em plenitude.
Ao contrário da promessa cristã de reencontro pessoal após a morte, o
estoicismo convida à dissolução serena no todo, ao retorno à ordem cósmica, ao Logos.
Essa concepção pode parecer árida para
alguns, mas contém uma beleza profunda: a serenidade do espírito que
compreendeu que o instante é eterno, que o presente contém tudo, que o ser é
suficiente em sua inteireza, quando liberto dos apegos ao tempo.
Para o maçom que busca, com régua e compasso,
alinhar-se ao Grande Arquiteto do Universo, essa filosofia é um espelho — exige
vigilância, clareza, coragem e fé na harmonia invisível do cosmos. A salvação,
nesse caminho, não está na fuga do real, mas na aceitação sábia e amorosa do
que é.
Hiran de Melo
Presidente da Excelsa Loja de Perfeição
“Paz e Amor”, corpo filosófico da Inspetoria Litúrgica do Estado da Paraíba,
Primeira Região, do Supremo Conselho do Grau 33 do REAA da Maçonaria para a
República Federativa do Brasil.
Referência
básica
Luc Ferry - Aprender a Viver.
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